Iniciamos nosso estudo de Sun Wu e da Arte da Guerra. Embora conflitos armados sejam um fenômeno universal, cada cultura valora-os de forma peculiar. A tradição chinesa distingue-se por não possuir uma literatura épica, o que tem a ver com sua visão pragmática da guerra. Embora reconheçam que a guerra é indesejável e danosa, o pensamento chinês não defende que é irracional, nem eliminável: a primeira sentença da Arte da Guerra diz que as questões militares são a maior preocupação de um feudo. Sunzi compreende a transformação sofrida pela guerra em seu tempo, pois, com a decadência da ordem política de Zhou e a crise do sistema de Ritos e Música, ele se concentra exclusivamente no problema prático de como vencer conflitos minimizando a perda de recursos.
Em sua obra, Sunzi ignora o papel dos Ritos de regularem a guerra, duvidando do poder das instituições de manterem a ordem. Isso contrasta com a noção de “Ciclos Dinásticos”, base da concepção chinesa da história, otimista e moralista, que toma o padrão de ordem nascida do caos como o seu leitmotiv. Nesta transmissão, analisamos a primeira das “Narrativas Fundamentais”, seção inicial dos Registros do Cronista, para discutimos a relação entre a guerra e a fundação de uma dinastia, tomando como exemplo a criação da primeira ordem política chinesa pelo Imperador Amarelo. Resta claro que há legitimação retroativa da guerra realizada contra a velha ordem e da submissão de todos pela força, pelo benefício que a dinastia traz em termos de estabilidade e boa governança.
Referências básicas:
Sima Qian (Dinastia Han). Registros do Cronista, rolo 1 “Narrativa Fundamental I: Os Cinco Di”
西汉司马迁著《史记》卷第一《五帝本纪第一》
Liu Zhiji (Dinastia Tang). Uma Discussão Abrangente da Historiografia, rolo 2 “item 4, Narrativas Fundamentais”; “item 6, Séries Biográficas”
唐刘知几著、清蒲启龙通释《史通通释》卷第二《本纪第四》、《列传第六》
Neste programa, continuamos a explorar a concepção chinesa de história, analisando a primeira “crise dinástica” da história da China, na transição entre as dinastias Xia e Shang. Sob Yu, a dinastia Xia estabeleceu o primeiro sistema administrativo dos “Nove Zhou” (demarcado por canais fluviais), uma capital relativamente estável, uma oligarquia “feudal” de “Zhuhou” e, sobretudo, a transmissão hereditária do trono. Também se firma o direito de intervenção extraterritorial do “Filho do Céu” através das “Expedições de Caça”. A crise se desenvolve pelo estranhamento e competição entre os reis de Xia e seus Zhuhou. O último rei, Jie, é descrito pela historiografia como particularmente “sem Virtude”. Tang, um descendente ilegítimo do Imperador Amarelo, conquista a obediência dos Zhuhou pela força e depõe um Jie enfraquecido.
Referências básicas:
Sima Qian (Dinastia Han). Registros do Cronista, rolo 1 “Narrativa Fundamental I: Os Cinco Di”
西汉司马迁著《史记》卷第一《五帝本纪第一》
Sima Qian (Dinastia Han). Registros do Cronista, rolo 2 “Narrativa Fundamental II: A dinastia Xia”
西汉司马迁著《史记》卷第二《夏本纪第二》
Sima Qian (Dinastia Han). Registros do Cronista, rolo 3 “Narrativa Fundamental III: A dinastia Yin (Shang)”
西汉司马迁著《史记》卷第一《殷本纪第三》
Sun Wu (Primavera e Outono), Cao Cao (Três Reinos Wei) e outros. Sunzi comentado pelos Onze Mestres, rolo final, “Capítulo 13, Sobre o uso de espiões”
春秋孙武、三国魏曹操等注《十一家註孫子》卷下《用間篇》
Desta vez enfocamos a segunda “crise dinástica” da história da China, entre as dinastias Shang e Zhou, também devida ao processo de desgaste nas relações entre corte real e oligarquia dos Zhuhou. Tang fundou Shang com base na superioridade militar, legitimada pelo sistema de cerimonial (Ritos e Música). Falecendo, seu grão-ministro Yi Yin atuou como regente, consolidando a sucessão. Contudo, mudanças sucessivas de capitais e a fraqueza da corte deram independência às oligarquias, que reclamavam das falhas morais e de etiqueta dos reis. Zhou, o último soberno de Shang, é um vilão proverbial da literatura chinesa. Conforme a narrativa padrão, Zhou alienou aos seus aliados, permitindo a ascensão do Conde do Oeste, cujo filho viria a criar uma nova ordem.
Referências básicas:
Sima Qian (Dinastia Han). Registros do Cronista, rolo 3 “Narrativa Fundamental III: A dinastia Yin (Shang)”
西汉司马迁著《史记》卷第三《殷本纪第三》
Clássico dos Documentos, rolo 8 “Documentos de Shang I, o Juramento de Tang”
《尚書正義》卷第八《湯誓商書第一》
Clássico dos Poemas, Parte III: os Cânticos Reais, rolo 20, “Cânticos de Shang III, Pássaro Negro”
《毛詩正義·頌》卷第二十《商頌玄鳥第三》
Após tomar o poder de Shang, Zhou canonizou a noção de Mandato do Céu, que se constituiu na principal doutrina de legitimação chinesa. Todavia, na segunda metade dessa dinastia, a ideia de Mandato entraria em crise, sendo ignorada pela Arte da Guerra. Começamos a explicar por que isso ocorreu, elucidando primeiro como Zhou via o Mandato. Escolhemos três referências clássicas do início da dinastia para mostrar que o Mandato, concedido a um clã pelo Céu, era sacramentado por rituais religiosos e comprovado pela lidimidade moral do governante, ao mesmo tempo em que pragmaticamente se exigiam realizações políticas do mesmo. A guerra era tacitamente admitida como recurso excepcional, justificado pelo bem maior visado.
Referências básicas:
Clássico dos documentos, Documentos de Zhou, rolo 13, “Documento IX: A Proclamação Magna”
《尚书正义·周书》卷第十三《大诰第九》
Clássico dos poemas, Parte II: as Odes ortodoxas, rolo 16, “Odes Magnas, Dez odes do rei Wen, Ode I: Rei Wen”
《毛诗正义·大雅》卷第十六《文王之什·文王第一》
Clássico das mutações, Parte II do Clássico, 5º rolo, hexagrama 49, Ge (Mudança)
《周易正义·下经》卷第五《革卦第四十九》
Os programas de rádio acima também estão disponíveis no sítio oficial da CRI: https://portuguese.cri.cn/special/cultura/index.shtml